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Recorrer a terceiros para a realização de trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), monografias e outros trabalhos acadêmicos  é  uma  prática  muito  comum.  Mais comum do que  se  pensa  e  se divulga, por conta de vários fatores que inibem as pessoas de admitir a prática. Um deles é, por exemplo, o medo de se estar cometendo um crime ao fazê-lo. Mas será que a compra e venda de TCC configura crime? Acompanhe a resposta no artigo de hoje.

Compra de TCC segundo o filósofo Umberto Eco

Umberto Eco foi professor, filósofo, historiador e escritor. Em seu livro “Como se Faz uma Tese em Ciências  Humanas”,  ele  apresenta  um  panorama  do  sistema  acadêmico  atual.  Inicia sua reflexão mostrando que, antigamente, as Universidades eram lugares privilegiados. Por quê? Pois quem tinha acesso eram sempre filhos de bacharéis com tempo livre o bastante para se dedicarem exclusivamente à formação acadêmica. Além disso, as turmas eram reduzidas. Ademais, havia uma espécie de professor orientador que acompanhava diariamente a pesquisa de um ou dois desses pequenos grupos de alunos.

As faculdades hoje…

Hoje, porém, as coisas mudaram. Há estudantes, a maioria, que além das duas horas, em média, de  deslocamento  para  a  Universidade,  trabalham  mais  umas  oito  horas.  Ao final  da  aula,  bem queriam conversar com o professor, mas a turma é uma sala lotada de cinquenta a cem alunos. Há  uma  fila  de  trinta  alunos  para  pedir  orientação  ao  professor  ao  final  da  aula  e  a  pessoa simplesmente  não  pode  esperar.  Pois  precisa  pegar  o  ônibus  para  cumprir  outros  deveres.  “O estudante trabalhador terá com certeza menos tempo e menos energia. Frequentemente, menos dinheiro para se dedicar a longas investigações (que muitas vezes implicam a aquisição de livros raros e caros, viagens a centros ou bibliotecas).” [1]Assim, há muitos estudantes que se encontram obrigados a fazer um trabalho de conclusão de curso. Pois, esgotados física e emocionalmente, sem tempo, dinheiro e condições psicológicas para dar cabo ao trabalho. E, ao escrever um livro sobre como escrever uma monografia, Umberto Eco se dirige a esses estudantes e diz:

Vítimas de uma legislação paradoxal…

“Devemos dizer sem rebuço que este livro não é para eles. Se estas são as suas necessidades… Se são vítimas de uma legislação paradoxal que os obriga a diplomar-se para resolver dolorosas questões econômicas… É preferível […] investir um montante razoável para encomendar a tese a alguém. Seria o mesmo que dizer ‘se te apresentares ferido no posto de socorros e o médico não quiser examinar-te, aponta-lhe uma faca à garganta’ [2] “.

Mas, o que diz a lei sobre venda de Monografia?

Em  primeiro  lugar,  há  que  se  esclarecer  do  que  se  trata,  exatamente,  isto  que  chamamos  de “vender monografias/TCCs”.  A  compra  e venda  é  definida  juridicamente  nos  seguintes  termos: “Contrato  consensual;  Sinalagmático;  Oneroso;  cumulativo;  Em  alguns  casos  sujeito  à  forma prescrita em  lei,  porém,  no  mais  das  vezes,  independentemente  de  qualquer  solenidade”  (cfr. Tudo Direito). Qual é o objeto da venda quando se trata de monografias?

Não existe venda ou compra de monografias!

Podemos afirmar que não existe, tecnicamente falando, venda e compra de monografias ou TCCs. Isto  porque  compra,  venda,  doação  e  permuta  são  espécies  de alienação.  Ou  seja,  “forma voluntária de perda da propriedade, pois é o ato pelo qual o titular transfere sua propriedade a outro  interessado.  Dá-se  a  alienação  de forma voluntária  ou  compulsória,  sendo,  por  exemplo, alienação voluntária a dação em pagamento, e de alienação compulsória arrematação. Ela ainda pode  ser  a  título  oneroso  ou  gratuito,  configurando-se  alienação  a  título  oneroso  a  compra  e venda, e a título gratuito a doação [3]”. Tudo isso se trata de processos de transferência de coisa. O que está em negócio, no caso de monografias, é a licença do direito autoral de nominação, o que é, pois, algo bem diferente!

Lei dos Direitos Autorais

O  que  afirmamos  está  de  acordo  com  o  entendimento  geral.  E  também  é  afirmado  por  Ivana Gribelli: “não se vendem direitos autorais, nem se doam, nem se permutam. Transferem-se por cessão”  [4].  Vemos,  portanto,  que  direitos  autorais  não  são  objeto  de  alienação,  por  isso  não podem ser objeto de compra e venda.  O artigo49 da Lei 9.610/98(Lei de Direitos Autorais) prevê, então, clara e expressamente tal possibilidade. Um autor pode transferir seus direitos autorais a um terceiro. Conforme diz o texto da lei: “Os  direitos  de  autor  poderão  ser  total  ou  parcialmente  transferidos  a  terceiros.  Por  ele  ou  por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais. Por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito. “Então, mesmo que considerando por absurdo que anteriormente pudesse ser uma conduta com efeitos penais, a lei supracitada seria resguardada pelo caput doart. 2º do Código Penal Brasileiro. Pois ali se lê que “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime. Cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.”[5]

Paternidade da obra intelectual

Dentro da Lei dos Direitos Autorais (LDA), há duas espécies de direito. Os de propriedade e os morais. O artigo 24, I prevê, dentro do escopo dos direitos morais, o direito de reivindicar a autoria da obra: Art. 24. São direitos morais do autor: I -o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; Segundo  a Profª Cláudia  Mara  de  Almeida  Rabelo  Viegas,  o  direito  de  reivindicar  a  autoria  da obra: “é o direito do autor de reivindicar, a qualquer tempo, a paternidade da obra. Este direito pressupõe um ato de violação do direito à autoria. Pois ao reivindicar a autoria, o autor exerce um direito de se opor à usurpação de sua paternidade sobre a obra. Sendo diferente do direito à autoria. Por exemplo, o autor de um artigo poderá se opor à utilização de seu texto. Isso porque se apresenta com a expressa menção do nome de terceiro como sendo o autor da obra”.

Não estamos pois, aqui, falando de um terceiro que negocia a cessão da licença do direito autoral moral  de  nominação  da  propriedade  intelectual  a  outro.  Mas  sim  do  próprio  autor.  Se  fosse  o primeiro caso, com certezas e trataria de crime e o negócio seria nulo, porque, segundo o Art. 11 da L9610/98:”Autor  é  a  pessoa  física  criadora  de  obra  literária, artística ou científica” (Art. 11)Sendo  a  paternidade,  portanto,  plenamente  genética  e  o  negócio  jurídico  com  obra  alheia  um objeto impossível. Crime, portanto. Já no caso da cessão do direito do autor não configura crime, pois  não  se  trata  da  alienação  de  um  objeto  impossível,  muito  menos  alheio.  Trata-se, simplesmente, de uma licença (não alienação) de um direito moral particular. A lei prevê que a transmissão dos direitos autorais pode ser feita em modalidade de licenciamento ou de cessão. O licenciamento é quando um autor permite que um terceiro utilize sua obra por um tempo acordado. Após tal período, cessa-se o licenciamento e há o retorno da obra ao autor. Já a cessão do direito autoral é quando há a transmissão total dos direitos patrimoniais de autor, não retornando  mais  ao  autor  original.  Mas  preste  bem  atenção:  nós  falamos,  aqui,  de  direito patrimonial. Anteriormente, entretanto, nós falávamos de um direito autoral moral, a saber, o de reivindicar a autoria. O que ocorre?

Licença de direito autoral moral

Chegamos  ao  ponto.  Embora  lei  preveja  e  abarque  como  lícitos  os  atos  de  licenciamento  de direitos autorais patrimoniais, nada prevê acerca da cessão ou licença dos direitos morais. O ato é configurado, portanto, como atípico. O autor que cede ou licencia seu direito moral de autoria da obra a um terceiro não viola nenhum direito. Conforme podemos confirmar, por exemplo, no artigo184 do Decreto Lei nº 2.848de 07 de Dezembro de 1940.”Pratica-se o crime realizando qualquer ação que viole o direito de utilizar; De fruir e de dispor da obra, basicamente publicando ou reproduzindo, modificando ou divulgando. Por qualquer meio, sem autorização, a obra a que se refere o direito. A tradução não consentida também é violação de direito autoral” [6]

O autor está ok, e quem negocia direitos com ele?

 Talvez ainda  reste  alguma  dúvida,  senão  sobre  o  autor,  já  bastante  explicado  acima,  sobre  a pessoa  que  entra  em  negócio  com  ele.  O  autor,  como  vimos,  pode  licenciar  seu  direito  de nominação. E quem é sujeito dessa cessão ou licença? Está tudo bem usar a obra, apresentá-la? Está tudo bem diante da lei que, por exemplo, um aluno negocie extrajudicialmente o direito moral de um autor? Está tudo bem, perante a lei, que ele a apresente como monografia? Há  quem  afirme  absurdos,  como,  por  exemplo,  que  chega  mesmo  a  configurar  estelionato. Estelionato, sabe-se, é justamente um crime contra o patrimônio (Título II, Capítulo VI, Artigo 171).  “Obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.” [7]

Mesmo  se  a  apresentação  de  um  trabalho  de  conclusão  de  curso  ou  monografia  de  um  autor configurar fraude, nos  Comentários ao Código Penal, Nelson Hungria esclarece que: “a  matéria  punível  não  é  a  fraude  em  si  mesma,  o  engano  ou  o  induzimento  em  erro.  Mas  a locupletarão ilícita ou a injusta lesão patrimonial. O engano é apenas um momento precursor do crime.  Este  critério  conceitual  está  definitivamente  integrado  no  direito  penal  hodierno;  Tendo resultado de uma lenta e gradativa elaboração científica. No sentido de atribuir ao estelionato seu verdadeiro  posto  entre  os  crimes  contra  o  patrimônio;  Para  corrigir-se  a  imprecisão  das  fontes romanas  e  a  obscura  doutrina  dos  juristas  medievais.  Que  o  haviam  confundido  com  o  falso (ofensa à fides publica, sem necessidade de um efetivo dano material”. [8]

Ato fraudulento?

É de mesmo entendimento  Cláudio Heleno Fragoso, ao explicar que: “O interesse juridicamente tutelado neste crime é a inviolabilidade do patrimônio, com especial referência às ações praticadas com engano ou fraude. De forma secundária é também tutela a segurança,  a  fidelidade  e  a  veracidade  dos  negócios  jurídicos  patrimoniais  […]  O  estelionato  é crime material e de dano, que se consuma com a vantagem ilícita patrimonial, que é o fim visado pelo agente. A fraude, o engano, é apenas o meio de que se serve. Não pode caber dúvida, pois, de que este é crime contra o patrimônio. A boa fé e a veracidade dos negócios é apenas tutelada secundariamente, de maneira reflexa”. [9]

Falsidade ideológica?

Há  outro  grande mito  acerca  da  negociação  dos  direitos  autorais  morais  de  um  autor  para  um terceiro. No que tange aos trabalhos de conclusão de curso, é a ideia de falsidade ideológica. A ideia  é  ingênua  e  derrubada  repetidas  vezes  pelo  STF  em  casos  particulares.  Para  haver  a configuração de falsidade ideológica, deve haver imprescindivelmente, a inserção, por parte do falsário,  em  documento  de  conteúdo  diverso  do  que  deveria  constar.  A  este  respeito,  pois,  o Ministro  Cesar  Peluzo  afirmou  em  voto  vencedor;  Num  caso  análogo  em  que  um  vestibulando respondia online, sob tutela de professores (autores) as respostas (obra) do vestibular:”[…]Para fins penais, releva tão só seja mentirosa a declaração, pouco se dando a via pela qual o declarante  logre  formar  a  representação  mental  dessa  inverdade  e  o  expediente  de  que  lance mão para chegar a declará-la. No caso, falsas podem ter sido algumasdas respostas às questões do vestibular. Nunca o processo mediante o qual o agente se pôs em condições de formalizar as declarações correspondentes às respostas”. Gostou do artigo? Para mais informações, clique aqui!

Fontes:

[1] Eco, Umberto. Como seFaz Uma Tese Em Ciências Humanas. Ed. Presença. 2007. p. 30

[2]  Idem. p. 31

[3]  GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro -Direito das Coisas. v. V, São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

[4]  Gribelli,  Ivana  Go.  A  regulação  da  construção  de  direitos  autorais,  a  aparecer  em:  Eduardo Salles  Pimenta,  coordenação.  Direitos  autorais:  estudos  em  homenagem  a  Otávio  Afonso  dos Santos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 154.

[5] Código Penal, art. 2º, caput

[6] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 199.

[7] Código Penal, art. 2º, caput.

[8] HUNGRIA,  Nélson.  Comentários  ao  Código  Penal,  vol  VII,  arts.  155  a  196.  Rio  de  Janeiro Forense,1967, p. 171.

[9]  FRAGOSO,  Heleno  Cláudio.  Lições  de  direito  penal:  parte  especial.  São  Paulo,  Bushatsky, 1977, p. 65.

[10] João Paulo Rodrigues de Castro. Site Migalhas.

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